A glamourização do consumo e a "Sociedade do Espetáculo"

Vivemos uma era em que o consumo se tornou um espetáculo. Conforme descrito na “Sociedade do Espetáculo”, conceito desenvolvido por Guy Debord, as marcas transformaram a experiência de compra em um grande show de sensações, onde os produtos não são apenas adquiridos, mas encenados dentro de narrativas cuidadosamente construídas. O simples ato de consumir passou a ser acompanhado de brindes, rituais sofisticados e ambientações deslumbrantes, muitas vezes mais importantes do que a real qualidade do que está sendo adquirido.

Este não é apenas um fenômeno cultural, mas também uma estratégia cuidadosamente elaborada, na maioria das vezes impulsionada por agências de marketing. Essas agências moldaram e construiram este cenário de consumo e de narrativas glamourosas que transformam marcas, produtos, serviços e até indivíduos em símbolos de desejo e status. Utilizando técnicas sofisticadas de publicidade, storytelling e engajamento digital, elas criam um universo onde a imagem se sobrepõe à realidade, estimulando a compra e reforçando a necessidade de pertencimento. Essa espetacularização não se limita à venda de produtos, mas permeia a política, o entretenimento e a vida cotidiana, moldando percepções e comportamentos por meio de uma estética sedutora e cuidadosamente planejada.

O viés psicológico por trás da estratégia

A base psicológica desse fenômeno está no reforço positivo e na recompensa instantânea. Quando um consumidor recebe um agrado inesperado – seja um brinde, um atendimento altamente personalizado ou um mimo sofisticado –, seu cérebro libera dopamina, neurotransmissor associado ao prazer e à motivação. Essa sensação cria um vínculo emocional com a marca, muitas vezes independente da qualidade real do produto ou serviço. Outro fator importante é o efeito halo, um viés cognitivo descrito pelo psicólogo Edward Thorndike, que nos faz atribuir qualidades positivas a algo com base em um único aspecto positivo. Por exemplo, se uma cafeteria tem um ambiente sofisticado e oferece um café servido em louças elegantes, o consumidor pode acreditar que a bebida tem uma qualidade superior, mesmo que seja apenas mediana. Esse efeito é amplamente explorado no marketing para justificar preços elevados sem necessariamente entregar um produto melhor. Além disso, a pressão social e o desejo de status fazem com que consumidores busquem produtos e serviços que representem um estilo de vida aspiracional. Marcas de luxo, por exemplo, não vendem apenas mercadorias, mas a ideia de pertencimento a um grupo exclusivo. Isso faz com que muitas pessoas paguem valores exorbitantes por produtos que, em essência, não são tão diferentes dos concorrentes mais acessíveis.

A “Sociedade do Espetáculo” e o consumo performatizado

Guy Debord, em sua obra A Sociedade do Espetáculo, argumenta que vivemos em um mundo onde as imagens e aparências se sobrepõem à realidade. O consumo, antes uma resposta a necessidades concretas, tornou-se uma forma de representação social. Não basta apenas comprar um produto; é preciso mostrá-lo, validá-lo nas redes sociais e inseri-lo em um contexto de desejo e prestígio.

Nesse cenário, as marcas investem em estratégias que criam uma experiência envolvente, mesmo quando o produto em si não se destaca em funcionalidade, durabilidade ou inovação. Restaurantes encantam com apresentações impecáveis, mesmo que os pratos sejam comuns. Academias apostam em ambientes perfumados e playlists bem selecionadas, enquanto deixam de investir em equipamentos de qualidade. Empresas de tecnologia vendem dispositivos embalados de maneira luxuosa, mas sem grandes avanços técnicos.

Quando os mimos substituem a qualidade

O problema surge quando os agrados se tornam distrações para mascarar falhas no serviço ou no produto. Um hotel pode oferecer amenities sofisticadas, mas ter quartos desconfortáveis. Um evento pode proporcionar experiências imersivas e brindes exclusivos, mas entregar pouco conteúdo relevante. O consumidor, seduzido pelo espetáculo, pode não perceber que está pagando mais por algo que, em sua essência, não vale tanto. Essa inversão de valores cria um mercado onde a aparência tem mais peso do que a substância. A experiência sensorial e emocional se sobrepõe à funcionalidade e ao custo-benefício, distorcendo a percepção do consumidor e promovendo um ciclo de consumo baseado em superficialidades.

O desafio da escolha consciente

Diante desse cenário, torna-se essencial desenvolver um olhar crítico sobre o que realmente está sendo adquirido. Devem fazer parte da rotina de quem deseja consumir de forma mais consciente, perguntas como:

Este serviço realmente entrega o que promete?

A qualidade justifica o preço?

Estou pagando por um produto bom ou apenas pela experiência envolvida?

Para as marcas, o desafio é equilibrar a criação de experiências memoráveis sem que isso se torne um artifício para encobrir falhas. Um atendimento atencioso e um ambiente agradável são complementos valiosos, mas não podem ser usados para disfarçar a ausência de qualidade e eficiência.

Conclusão

A sociedade do espetáculo transformou o consumo em uma performance constante. O efeito halo e a busca por status fazem com que experiências bem orquestradas substituam a análise crítica do que realmente importa. Reconhecer essas estratégias e desenvolver um olhar mais atento é essencial para escapar da armadilha da glamourização superficial e fazer escolhas mais alinhadas com o que realmente tem valor. Consumir menos e de forma mais consciente é um grande desafio da nossa época. Lembre-se: um produto ou serviço só existirá se tiver público para consumi-lo, e esse poder está em suas mãos.

AUTOR

Marcos Medeiros

Designer e Gestor no Bem Design Studio